Famalicão
ENTREVISTA: “Com a eleição do PAN poderíamos fazer algo melhor pelo concelho”

Sandra Pimenta, cabeça de lista do PAN, à Câmara Municipal de Famalicão, tem 47 anos, é licenciada em Direito e mestranda em Direito Administrativo. É famalicense e reside em Ruivães. Já trabalhou em diferentes áreas e considera-se uma ativista, tendo iniciado o seu percurso em 2005, nas causas de proteção animal. A nível político, integrou a equipa que constituiu a primeira Comissão Política Concelhia de Famalicão, em 2019. Posteriormente, em 2021, integrou a Comissão Política Nacional, onde se mantém até hoje.
OPINIÃO PÚBLICA: O partido não tem qualquer representação nos órgãos executivos, mas esse é o principal objetivo para estas eleições autárquicas: eleger um vereador para a Câmara Municipal ou um deputado para a Assembleia Municipal…
Sandra Pimenta: Sem dúvida alguma que o nosso objetivo é conseguirmos uma representação, quer no executivo, quer na Assembleia Municipal, porque acreditamos que realmente assim é que poderíamos fazer algo melhor pelo concelho de Famalicão.
Nós temos assistido a decisões que, na nossa opinião, são muito negativas, têm impactos muito negativos no nosso concelho e por isso é que o PAN se apresenta uma vez mais nestas eleições autárquicas, sendo que em 2021 ficamos a muito pouco de eleger para a Assembleia Municipal, faltaram-nos menos de 300 votos.
Que diferença pode fazer um elemento do PAN nestes órgãos?
Nos últimos anos, o que temos feito já é quase esse trabalho, só que com uma dimensão diferente… Nós não temos a oportunidade, como não temos representação na Assembleia Municipal, de apresentar uma recomendação para que ela seja discutida e, eventualmente, votada. Em todo caso, o PAN não se tem demitido de fazer esse trabalho e temos enviado todas as nossas recomendações diretamente para o executivo. Infelizmente, na maioria das vezes, nem temos resposta ou realmente é dada a resposta politicamente correta, ignorando completamente as nossas reivindicações que, relembro, são reivindicações da própria população. Portanto, isto não são ideias que só saem de nós, mas são o reflexo de preocupações, de ideias que vêm da própria comunidade.
No que diz respeito ao vosso programa eleitoral, defende um modelo de governação que coloque a justiça social, a preservação animal e a natureza no centro da discussão. O que é que significa isto?
É muito simples. O que nós temos assistido nos últimos anos e por força desta maioria do PSD/CDS, é uma visão muito centrada no facto de sermos o terceiro concelho exportador do país. Eu acredito mesmo que o objetivo desta maioria é colocar o concelho no top 1, mas eu tenho questionado a que preço, a que custo, quais são as externalidades negativas para o concelho em relação a termos essa fixação – quase obsessão – num concelho tão industrializado?
E é nesse sentido que o PAN se propõe a apresentar alternativas mais sustentáveis. A partir do momento que deixamos de pensar a política local partindo da fonte dos problemas, que neste caso são as alterações climáticas, temos um grave problema em relação à forma como estamos a tratar o nosso meio-ambiente… E a partir do momento que nós não colocamos isso no centro das decisões, vamos continuar a ter os mesmos problemas e a agravar.
Também na questão social. Sabemos que a habitação é um tema a nível nacional. Famalicão não está isento desse problema, mas não só. Nós temos que começar a falar de violência doméstica e de apoios dignos para as associações que estão no terreno a prestar apoio às vítimas. Temos que, de uma vez, perceber que o nosso concelho não é amigo, por exemplo, das pessoas com deficiência. E outros tantos temas que poderíamos aqui elencar, que nos impelem a apresentar esta candidatura e a dizer que estamos prontos para fazer de Famalicão um concelho melhor.

Ao colocar a justiça social com destaque no vosso programa eleitoral é também para calar aqueles que dizem que o PAN só se preocupa com os animais?
Geralmente nós costumamos ouvir as duas críticas, ou que nos preocupamos muito, ou que não nos preocupamos de todo. Eu diria que são vozes que não estão atentas ao trabalho do PAN.
E isto tem que ficar bem claro: obviamente que o nosso partido tem uma base, tem uma fundação animalista, grande parte dos filiados junta-se ao partido por causa da questão do bem-estar animal, porque somos o único partido em Portugal que coloca a esta questão l em cima da mesa e não temos qualquer receio, nem temos qualquer vergonha disso. Antes pelo contrário, temos orgulho por sermos o único partido animalista em Portugal. Só que isso não nos pode impedir de falar nas outras questões e por isso é que o partido é Pessoas, Animais, Natureza. E é exatamente este este foco e este núcleo que, nomeadamente, os nossos autarcas locais têm muita dificuldade em perceber.
Na sua apresentação como candidata foi muito crítica em relação ao que chamou de falta “inaceitável” de visão e planeamento do município e elencou “diversos crimes ambientais”, que continuam a estar na ordem do dia para o partido. E referiu o abate de sobreiros em Outiz como sendo a cereja em cima do bolo no que diz respeito a atentados ambientais…
Sem dúvida alguma. Outiz foi mais um exemplo da falta de visão ambientalista deste executivo, porque realmente não tem nenhuma. A maioria do PSD/CDS tem um único objetivo que é tornar Famalicão um concelho industrializado. A questão ambiental, obviamente, tem que ser o núcleo de todas as decisões porque há impactos a nível local.
Eu quero recordar que para Outiz foi declarado um interesse público municipal, porque estávamos perante uma zona ecológica nacional, reserva agrícola nacional, tínhamos uma série de condicionantes e, portanto, foi necessário uma declaração de interesse público municipal. Essa declaração que, em menos de um mês, passou por uma Câmara Municipal e por uma Assembleia Municipal. Sem se conhecer, inclusive, o plano de recuperação, caso aquela central um dia mais tarde saia dali. Isto é o interesse público municipal? Não. Na nossa opinião, não é. Foram abatidos, segundo dados oficiais, nomeadamente do ICNF, cerca de 300 sobreiros.
Acredita que foram mais…
Acredito. Nós estivemos lá imensos dias, temos várias filmagens, temos fotografias e era muito fácil perceber que o número de árvores abatidas tinha que ascender a muito mais que 300 sobreiros. Eu até questiono se algum representante do ICNF se deslocou ao local e sinalizou estes sobreiros, porque não temos sequer essa informação. E o que lá se passou foi, sem dúvida alguma, um crime ambiental.
O que, entretanto, percebemos, e ainda bem, por força da comunidade, que uma vez mais se está a mobilizar para estas questões ambientais, é que deu entrada na Assembleia Municipal uma Petição Pública, e o que se conseguiu em termos de negociação com o executivo foi garantir que cerca de dois hectares vão ser preservados e reflorestar aquela zona…
Mas não há muito mais mais a fazer…
Não há muito mais a fazer, exatamente…
Mas há outras questões que a preocupam, nomeadamente em Oliveira Santa Maria e Landim…
Em Oliveira de Santa Maria é um caso que já abordamos em 2021. Temos ali uma empresa a laborar há muitos muitos anos, que inclusive, a primeira entidade que sinalizou aquela questão foi a Junta de Freguesia de Castelões, que alertou a Câmara Municipal que o que se estava ali a passar poderia ter um impacto ambiental grave e, sinceramente, a Câmara ignorou e continua a ignorar.
Temos, entretanto, a informação que já lá se encontra um edital, portanto, um aviso de licenciamento. Aquilo é Reserva Ecológica Nacional. Inclusive, no PDM, estava como zona protegida, mas segundo a informação que nós recebemos da Câmara, há um pedido de licenciamento, eventualmente por parte da empresa, para que na revisão do PDM, se possa legalizar a ilegalidade que lá ocorre há anos com o conhecimento da Câmara Municipal a uma empresa que, inclusive, recebe ajustes diretos.
Relativamente a Landim, temos uma questão um bocadinho mais particular, porque é uma decisão que já vem até do mandato do dr. Paulo Cunha. O que temos ali é uma autorização para a instalação de uma empresa de grandes dimensões. Não se percebe o porquê daquela localização, quando se trata de uma zona habitacional e uma zona com património cultural rico. Quando licenciamos alguma coisa para a instalação de uma empresa, ou até habitação, temos que pensar quais serão os impactos à frente. Obviamente que aquele projeto não foi pensado a longo prazo…
Na sua opinião, o tamanho da empresa faria adivinhar o movimento que traria…
Exatamente. E, agora, é pior a emenda que o soneto, porque querem abrir um um novo acesso à A7, o que implica cortar tudo que é campos agrícolas que estão a ser fabricados, portanto, não estão ao abandono. É toda uma zona, nomeadamente, cultural, porque temos a Casa de Camilo relativamente perto, temos o Mosteiro de Landim, portanto, até poderia ser aproveitada para outro tipo de atividades.
E vamos pensar realmente no mundo rural, e vamos pensar naqueles agricultores e naquelas famílias, empresas e microempresas que ali estão instaladas e que vão ver os seus terrenos completamente destruídos por força de se abrir ali um novo acesso, que vai significar a possibilidade de mais construção e do crescimento de um pólo industrial…
Ainda na área ambiental, o PAN propõe-se elaborar uma estratégia local para a despoluição dos rios e criar a figura do vigilante da natureza. Que papel teria este vigilante? Uma resposta de maior proximidade?
Sem dúvida. Temos que conhecer o nosso território, temos que identificar onde é que estão as fontes dos problemas e encontrar soluções para as mesmas. Não conseguimos entender como é que um executivo que está há 20 anos com uma maioria absoluta na Câmara Municipal não resolve o problema do rio Pelhe. O rio Pelhe é famalicense e tem condutas ilegais diariamente a descarregar, e basta ir aqui ao centro de Famalicão, ao Campo da Feira… aconselho todas as pessoas a fazê-lo. É muito fácil de identificar e são resíduos das habitações. Portanto, o rio Pelhe é o esgoto de Famalicão. As provas estão lá, é factual e nós andamos a debater isto há imenso tempo, a apresentar as denúncias.
Temos que compreender que quando não temos, aqui no concelho, um órgão do CEPNA, é muito complicado. Apresentamos a denúncia e depois vêm os agentes de Barcelos, ou o que seja, que não têm o conhecimento local. Aliás, o CEPNA dá-nos sempre feedback das denúncias que enviamos e o que nos dizem, e vou dizer quase 100% das vezes, é que não identificaram a fonte.
Porque quando chegam cá já está resolvido?
Exatamente. E por isso é que nós precisamos de uma equipa de maior proximidade, e nós ficamos muito agradados de ver que que finalmente avançaram com a figura do guarda-rios…
E qual é a diferença entre esta figura que querem criar, este vigilante, e a brigada de guarda-rios que foi entretanto criada pela Câmara Municipal?
A nossa intenção com a criação da figura do vigilante da natureza é alargar mais as competências, nomeadamente para a área florestal, porque aqui temos outros problemas, desde logo, o depósito de lixo indevido. Em relação aos guarda-rios, percebemos que é uma equipa muito reduzida, aliás, basta sinalizar uma descarga e ler os comentários nas redes sociais para perceber que toda a gente pergunta onde é que estão os guarda-rios…
Mas há alguma ação efetiva destes guarda-rios que a Sandra conheça?
Não, porque, que eu saiba, não há relatórios, pelo menos que estejam publicados, portanto, não sabemos onde é que eles estão, que tipo de funções é que lhes foram atribuídas, quantos são e em que áreas estão. E as respostas que vêm da Câmara são sempre genéricas.

Ainda sobre as linhas gerais do programa autárquico, a Sandra anunciou a criação de um Observatório Municipal dos Direitos Humanos. Que papel terá e de que forma vai funcionar?
Uma vez mais, nós precisamos de planeamento. Para planear o futuro da nossa cidade, do nosso concelho, nós precisamos de conhecer os problemas reais. Precisamos perceber quais são as prioridades, as grandes preocupações das pessoas. Ou seja, nós temos uma estratégia local de habitação. Será que essa estratégia está adaptada às realidades atuais? Temos as nossas dúvidas.
Nós precisamos de, quase diariamente, saber exatamente quais são as nossas necessidades. Este observatório será uma entidade que funcionará com todos os pelouros da Câmara Municipal e com a comunidade, com as associações locais das diferentes áreas. Porque acreditamos que só assim é que vamos conseguir perceber exatamente o que podemos potenciar para Famalicão, para melhorar em termos de concelho.
Portanto, e falando já da habitação, este observatório ajudaria, por exemplo, na elaboração de uma estratégia com respostas efetivas para as falhas do mercado…
A questão da habitação tem diferentes dimensões e diferentes necessidades. Não é só a questão das rendas elevadas, também temos problemas graves com a pobreza energética e condições de infraestruturas que não são as mais adequadas. Temos idosos a sofrer quer pelo calor, quer pelo frio extremo. Não temos respostas para vítimas de violência doméstica em situações de emergência em número suficiente. Ou seja, há todo um conjunto de dimensão em termos da habitação que nós temos que começar a planear a longo prazo. Não podemos continuar a pensar as políticas públicas a quatro anos. E é isto que se passa.
Vemos isto com o número de obras que se andam a inaugurar, portanto, ano de eleições, ano de obras. Isto tem que mudar. Não é pensar que vamos deixar as obras todas para os anos das eleições, é pensar que respostas é que queremos para daqui a 10, a 20 ou a 30 anos, porque temos uma responsabilidade com as gerações futuras. Por isso é que, para nós, é fundamental colocar o ambiente no centro da discussão. Porque falar de ambiente não é só falar do meio-ambiente, não é só falar dos rios, das florestas, é muito mais…
O Conselho Municipal Intergeracional, que é também uma das suas propostas, também terá, aqui, algum papel?
Nós precisamos de acolher a inovação, as ideias frescas, a modernidade que nos trazem as gerações mais novas com o conhecimento das gerações mais velhas.
Eu dou um exemplo muito prático. Temos, no centro de Famalicão, um espaço para a população mais idosa. Depois, perto da Câmara, temos a Casa da Juventude. Uma caixinha da juventude ali e uma caixinha das pessoas mais idosas noutro ponto. Não havia necessidade. Porque não juntá-los todos? Porque não termos um espaço em que todos possam partilhar as suas opiniões, as suas ideias, aprender uns com os outros?
A proteção animal é, incontornavelmente, outra das bandeiras do partido e, por isso, o PAN defende em Famalicão a criação de um pelouro autónomo para a proteção e bem estar animal…
É urgente criar estratégias. Na área animal, não temos uma única estratégia. O facto de termos um canil municipal não significa bem-estar. Nós temos uma visão muito redutora do animal, ainda continuamos a ver os animais como objeto, mesmo os de companhia. Podem usar o marketing que quiserem, a comunicação que quiserem, mas nós, neste momento, temos animais que estão enjaulados 24 horas por dia, 7 dias por semana…
Ou seja, o que me está a dizer é que o Centro de Recolha Oficial de Animais (CROA) não tem condições…
Se pensarmos em infraestruturas, tem condições porque não está degradado, mas eu deixo um convite a todos os famalicenses que façam uma visita ao CROA e que me digam se ter duas filas de boxes no meio de um pavilhão de pedra, sem acesso à luz e ao exterior são condições normais para um animal de estimação.
Que peçam para visitar o canto dos gatos e me digam se as jaulas onde estão enfiados dois e três gatos, são condições para ter os animais. Se concordarem com isso, muito bem, mas não é nossa posição. Aliás, desde sempre, defendemos que temos que ter políticas de prevenção. Neste caso, esterilização. Temos que dar apoios efetivos às famílias mais carenciadas, mas não só, temos que alargar o cheque veterinário que, entretanto, a Câmara lançou, e até me questiono se as pessoas sabem, porque a divulgação da informação não existe. Nós propusemos a comparticipação a 100% para as famílias mais carenciadas e o alargamento da comparticipação para os restantes escalões, na lógica de incentivar as pessoas a esterilizarem os seus animais.
Outra medida que defendemos, e que será uma das primeiras a implementar, e trata-se de um projeto piloto, é o desacorrentamento de animais.
Mas é um trabalho que tem que ser de cooperação, porque há pessoas que realmente gostariam de ter outras condições para os animais e não conseguem, porque a sua casa, muitas vezes até para elas, não têm as mínimas condições.
Quando nós falamos num pelouro autónomo para o bem-estar animal, ou num provedor municipal, é para garantir que os animais são pensados no seu todo. É para acabar de uma vez com as garraiadas que se fazem no nosso concelho que a maioria das pessoas não concorda… inclusive deu entrada uma petição na Assembleia Municipal e o executivo ignorou. Aliás, ainda estamos à espera que a Junta de Freguesia de Gondifelos nos explique quanto é que gastou na garraiada que realizou o ano passado na mostra comunitária. Porque é dinheiro público e nós temos o direito de saber quanto é que foi lá gasto…
No que diz respeito à mobilidade. A cidade está a sofrer diversas mudanças, nomeadamente na entrada norte, com o nascimento de áreas comerciais, que também não agradaram ao PAN. Estas mudanças que vão acontecendo não significam maior mobilidade?
Não, de todo. Só quem vive enfiado dentro de um gabinete de um executivo é que não percebe o que está a passar no nosso concelho .Lamento ter que dizer isto, porque todos os dias basta sairmos à rua para percebermos o caos que está a nossa cidade. O volume de automóveis que entra é um absurdo. Não há segurança. Aliás, isto é diário. Todos os dias temos notícias a dizer que uma pessoa foi atropelada e acabou por morrer..
Nós já enviamos para o executivo uma recomendação a dizer que se faça um estudo para perceber a razão de tantos acidentes, onde é que eles estão a acontecer e qual é a solução. E a solução não é criar mais rotundas e criar mais acessos que mais parecem autoestradas a entrar em Famalicão.
Portanto, falta uma intervenção no seu todo?
Falta. Realmente não sei como é que se chega a estas ideias, a estes projetos de acharem que é abrir avenidas e só colocar rotundas que vai resolver o problema. Não é, de todo…
