Siga-nos nas redes

Economia

“É necessário canalizar mais dinheiro para o poder local para descentralizar competências”

Publicado

em

Paula Franco, de 54 anos, é contabilista certificada e consultora fiscal. Em junho passado foi reeleita bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) para o quadriénio 2025-2028, após encabeçar a única lista apresentada e que teve 97,35% dos votos. Nesta entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA, apresenta os objetivos do novo mandato, fala do Orçamento de Estado e do PRR, sem esquecer as medidas de simplificação fiscal apresentadas pelo Governo.

OPINIÃO PÚBLICA: Foi reeleita, em meados de junho passado, para novo mandato como bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados. O que é que os contabilistas certificados podem esperar desta nova fase?

Paula Franco: O que posso garantir a todos os contabilistas certificados é que, até ao último dia do nosso mandato, continuaremos, de forma intransigente e permanente, a lutar pela defesa dos interesses da profissão e dos profissionais. No essencial, pretende-se dar continuidade ao trabalho iniciado em 2018 e que os profissionais têm sufragado, de forma inequívoca e contundente, nas urnas. É grande a responsabilidade que pesa sobre quem lidera os destinos de uma das maiores ordens profissionais portuguesas, com 68 mil membros, mas também é uma missão que só pode encher de orgulho quem a deseja levar a bom porto.  Nestes anos, lográmos conquistas que se julgavam impossíveis, como as férias fiscais ou o justo impedimento, e reforçámos a relevância dos contabilistas certificados como os únicos profissionais qualificados e habilitados para a certificação e transparência das boas contas. Acredito que esta já pode ser considerada a mais importante profissão na área das ciências económicas. 

Referiu, na sua apresentação, que quer fortalecer a profissão e que a mesma atinja patamares de excelência. De que forma?

É importante salientar que os contabilistas certificados são os únicos profissionais que escrevem todos os dias a história das empresas e a qualidade desta história é fundamental para o desenvolvimento da economia e do país. Eles são os verdadeiros e insubstituíveis “guardiães” das boas contas. Apesar disso, esta é uma profissão que apresenta problemas e tem que lidar com constantes desafios mas, ao mesmo tempo, “vende” confiança para a sociedade como poucas as que existem no mercado laboral. E é esta lógica que tem de ser consolidada. Um profissional que se afirme e que seja visto como um parceiro útil e indispensável no ecossistema económico, derrubando, de uma vez por todas, a narrativa que o considera um custo de contexto. Aprofundar o conceito de profissional dinâmico e multidisciplinar, com uma enorme capacidade de adaptação, essencial para se manter sempre a par das mudanças do mundo.

Reiterou ainda que quer apostar em que os contabilistas consigam fortalecer a economia. Que passos estão a ser dados no sentido dos contabilistas terem, cada vez mais, uma voz ativa?

Apesar de ter alcançado um patamar de dignificação e de credibilidade social, em particular no período mais agudo da crise pandémica, sem paralelo no passado, esta profissão tem no rejuvenescimento dos seus membros um desafio imperioso. Talvez o mais relevante. O novo estatuto da Ordem é uma oportunidade adicional para trazer para a enorme “família” dos contabilistas certificados jovens com novas formas de pensar e de perspetivar o mundo que os rodeia, mais adaptados às mutações tecnológicas, nunca perdendo de vista que a componente formativa e a reciclagem permanente não deixarão de ser verdadeiras e permanentes preocupações. Um necessário “sangue novo” com que ansiamos contar. As novas condições de acesso à Ordem levaram a que mais de cinco mil candidatos fizessem os exames de avaliação profissional. O que não deixa de ser revelador da capacidade de atração que esta profissão tem.

Na atualidade nacional, o Governo apresentou na passada quinta-feira 30 medidas de simplificação fiscal dirigidas a particulares e empresas. Como é que avalia estas medidas fiscais?

Em teoria são medidas positivas, mas na prática é quase um pacote de intenções, com muitas medidas a serem implementadas no horizonte dos próximos dois anos. Só quando a legislação for aprovada é que conseguiremos analisar concretamente o conteúdo e o alcance deste programa de simplificação fiscal. 

Tem defendido, reiteradamente, uma redução “agressiva” do IRC. Para si, esta decisão teria o efeito de “gerar mais receita” para o Estado…

Sou sempre defensora que o IRC deve, efetivamente, diminuir e quando falo do IRC não falo só da taxa de imposto, também falo das tributações autónomas. Apesar de não estar testada, estou em crer que teria o efeito de gerar mais receita para os cofres do Estado. Descer o IRC não significa perder receita. Tornar as empresas mais competitivas é que traz mais receita para o Estado. 

Em relação ao IRS, o caminho definido por este Governo acha que é o correto, e que está, de resto, refletido no OE?

Portugal é um país de salários baixos e temos taxas de imposto altas que incidem sobre rendimentos reduzidos. Este é o busílis da questão. Independentemente de medidas pontuais e avulsas como aquelas tomadas no Parlamento, e que se refletiram na redução das taxas de IRS, com um alívio fiscal nos salários de outubro e novembro, o importante é ir gradualmente diminuindo o IRS até chegarmos a um ponto ideal. Para os contribuintes significará sempre pouco, porque estas descidas do IRS nos nossos bolsos significarão pouco, mas tenho dito que o importante é manter esta medida. Este OE 2025 é mais um passo, ainda que tímido, nesse sentido. Seria desejável ser mais arrojado, mas o país não tem condições para fazer aquilo que na cabeça dos portugueses seria um choque fiscal. Não será possível porque não podemos diminuir o rendimento sem ter o equilíbrio das contas e não se pode abrir mão desse equilíbrio.

Como é que avalia o Orçamento de Estado aprovado para este ano?

Excluindo as alterações ao IRS Jovem e uma residual redução da taxa de IRC, o que temos são medidas pontuais e de correções a normas que careciam de melhoramentos. De uma forma geral é um documento conservador que muda pouca coisa. No global faltou ambição e o foco centrado nas empresas. Mas esta prudência do Governo acaba, de alguma forma, por se compreender, visto que o executivo tem maioria relativa no Parlamento e o contexto global é de grande incerteza.

Entrevista a bastonaria Paula Franco, na sede da OCC, em Lisboa.

Tem referido também estar preocupada com os investimentos que foram feitos pelas autarquias à boleia da descentralização de competências, sem que o Estado central tivesse feito a devida transferência financeira…

Fiz esse alerta, em novembro, durante a apresentação do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses. É necessário canalizar mais dinheiro para o poder local, destinando-o a pagar a descentralização de competências para as autarquias. Foram delegadas muitas competências, mas o financiamento não está a acompanhar. É preciso descentralizar as receitas para melhor gerir os bens públicos. Caso contrário, existirão problemas ao nível da sustentabilidade no Poder Local, decorrentes do funcionamento e manutenção dos equipamentos, na sequência dos investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). 

Mas o que tem valido aos municípios é o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que tem permitido fazer obra…

Sem dúvida, mas a questão é como vamos manter esses investimentos. Para ser sincera, não se sente muito o PRR na economia. Sente-se sim, nas infraestruturas públicas, obviamente, mas está longe de se refletir nas empresas e também na economia. Quando foi prometido que assim seria. A “bazuca” foi, desde o primeiro momento, algo que era uma alavanca para o desenvolvimento económico. Foi muito direcionado para o investimento público, mas mesmo o investimento público devia fazer-se sentir-se na economia e sente-se pouco. Tem vindo de forma muito gradual e isso põe em causa a sua execução. Depois, acredito que apresenta muitos sérios riscos de execução em algumas situações e tem a velocidade com que tudo se faz em Portugal: ou seja, muita morosidade. Aqui entra a burocracia e a questão dos licenciamentos. Admito que as entidades públicas também têm os problemas todos de contratação pública que se tem falado. O problema é que os processos são tão burocráticos que se torna difícil dotá-los de celeridade.

O que é que nos falta para o salto económico?

Para começar, faltam-nos duas coisas que são muito importantes: competitividade e escala. Para além disso, é preciso mais convergência e aproximação de pontos de vista entre agentes económicos, políticos e também da própria sociedade civil, para a definição de uma estratégia clara e mobilizadora. Na teoria parece um caminho simples, o mais difícil é mesmo concretizar estes objetivos. Um país com tanto potencial como o nosso tem desperdiçado tempo e oportunidades que hipotecam o nosso futuro.

É preciso mudar também a mentalidade dos nossos empresários?

Estou confiante que esta nova geração de empresários pensa de maneira diferente e é muito mais pragmática. As empresas portuguesas precisam de uma nova atitude, de criar riqueza, precisam de ser mais autónomas, não depender tanto de subsídios e de auxílios. Precisamos que exista menos aversão ao risco. É fundamental essa nova atitude. 

PARTILHE ESTE ARTIGO:

rádio e televisão em direto

Parceiros

ARTIGOS RECENTES

ARQUIVO DE NOTÍCIAS

Mais vistos