Siga-nos nas redes

Economia

“Estamos cautelosamente otimistas quanto a uma recuperação gradual do têxtil”

Publicado

em

Mário Jorge Machado termina, este ano, o seu mandato enquanto líder da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal. Nesta entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA fala, sobretudo, dos desafios que o têxtil enfrenta para este ano de 2025 e aponta algumas soluções para a retoma do setor em Portugal. Faz ainda um balanço do seu mandato e diz que o próximo líder da ATP deve ter uma visão estratégica, inovadora e focada nos desafios e oportunidades do têxtil.

OPINIÃO PÚBLICA: O ano passado as exportações do setor têxtil português sofreram uma queda de cerca de 5%, situando-se nos 5.700 milhões de euros. Estes dados foram avançados, por si, em novembro passado. Confirmaram-se? O que levou a esta quebra dos têxteis portugueses?

Mário Jorge Machado: Os dados mais recentes confirmam uma quebra de cerca de 4% no valor das exportações de têxteis e vestuário de janeiro a novembro de 2024. Este declínio resulta da retração no consumo global, causada por fatores como a guerra, a inflação, as taxas de juro elevadas e a incerteza económica, que têm reduzido a confiança dos consumidores já desde 2023. Ainda assim, importa referir que a retração vivida na indústria portuguesa ficou muito abaixo da retração do consumo nos mercados de destino, permitindo às nossas empresas ganhar quota de mercado.

É preciso também lembrar que do lado da oferta, o setor enfrenta ainda a concorrência desleal de produtos vendidos a preços abaixo do custo, muitas vezes associados a práticas de dumping ambiental e laboral. Este tipo de concorrência afeta a competitividade das indústrias europeias, prejudica o ambiente e mina a economia europeia. Estes desafios exigem uma abordagem concertada, tanto a nível nacional como europeu, para garantir condições justas no mercado e proteger a indústria europeia.

Acredita que haja uma melhoria no setor com o avançar do ano?

Estamos cautelosamente otimistas quanto a uma recuperação gradual. A descida das taxas de inflação e de juro têm melhorado a confiança dos consumidores, aumentando a sua disposição para consumir. Contudo, a recuperação dependerá da resolução de fatores externos, como as guerras em curso, que continuam a impactar a segurança e a estabilidade no mercado global. Outro fator de incerteza são as possíveis medidas económicas do novo mandato de Donald Trump, que poderão afetar as relações comerciais transatlânticas, criando novos desafios para a economia europeia e para o setor têxtil.

Apesar disso, há oportunidades claras na transição para a sustentabilidade e circularidade, que podem trazer um diferencial competitivo. Esperamos que os consumidores cada vez mais informados e conscientes valorizem os produtos responsáveis e sustentáveis, beneficiando a economia europeia e nacional.

No 26º Fórum da Indústria Têxtil, que decorreu em novembro passado, em Famalicão, aproveitou a presença do secretário de Estado da Economia e apelou à necessidade de políticas públicas “que apoiem as empresas em vez de lhes complicarem a vida”… Pediu, designadamente, energia a preços competitivos, o combate à burocracia, a diminuição da carga fiscal, entre outros. Considera que o Orçamento de Estado para este ano leva estes pedidos em linha de conta?

Embora o Orçamento de Estado para este ano tenha incluído algumas medidas pontuais, ainda não responde de forma abrangente às necessidades estruturais do setor. As empresas continuam a enfrentar uma carga fiscal significativa, elevadas barreiras administrativas e burocráticas, custos energéticos elevados, políticas públicas que não fomentam a produtividade empresarial, dificultando a sua competitividade num mercado global exigente.

É essencial que as políticas públicas promovam um ambiente mais flexível e propício à inovação, crescimento e melhoria de produtividade das empresas. A ATP continuará a trabalhar ativamente para pressionar por mudanças que beneficiem não apenas o setor têxtil, mas também a economia nacional.

Espanha, França e Alemanha são os três principais mercados de exportação do setor têxtil português, seguidos da Itália e dos Estados Unidos da América. O que é que tem levado, na sua perspetiva, à descida de encomendas destas grandes economias?

A descida de encomendas (e do consumo) são consequência dos desafios económicos e geopolíticos já referidos. No entanto, outro fator crítico é a ausência de um “level playing field” no mercado europeu. As empresas europeias enfrentam concorrência desleal de produtos de países que não cumprem os mesmos padrões laborais e ambientais, o que as coloca em desvantagem. O excesso de requisitos exigidos aos produtos e empresas europeias vs a ausência de fiscalização e controlo aos produtos importados é algo crítico no mercado único europeu.

Além disso, uma política inconsistente e irregular de promoção da indústria nacional nos mercados internacionais fomentada por disrupções e incumprimentos das políticas de apoio enfraquece a perceção do valor dos produtos “made in Portugal”, conhecidos pela sua qualidade, inovação e sustentabilidade. É urgente reforçar a valorização da indústria nacional como referência global, tanto junto dos consumidores como das marcas.

Há falta de mão de obra qualificada na Indústria Têxtil e Vestuário?

Há um desajuste entre a oferta e a procura de profissionais e de competências no setor. É necessário investir na requalificação dos trabalhadores atuais e atrair novos talentos para responder aos desafios da sustentabilidade, circularidade e digitalização. Além disso, o futuro do setor passará por uma transformação significativa com mais automação e robotização, processos que exigirão menos trabalhadores, mas com perfis muito mais especializados.

Esta transição será gradual, mas exigirá recursos financeiros consideráveis, que são atualmente escassos e de difícil acesso em Portugal. Infelizmente, as políticas públicas não têm facilitado este processo, criando obstáculos às empresas em vez de as apoiarem na adaptação às novas exigências. Para o setor prosperar, é essencial que as empresas tenham liberdade para se adaptarem, para inovarem e para crescerem num mercado global altamente competitivo.

Este ano termina o seu segundo mandato enquanto presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal. Não pode recandidatar-se ao cargo, segundo os vossos estatutos. Que perfil gostaria de ver a liderar esta associação?

O próximo líder da ATP deve ter uma visão estratégica, inovadora e focada nos desafios e oportunidades do setor. Este mandato foi marcado por desafios internos e externos: internamente, a ATP assumiu novas responsabilidades na promoção do setor (organização de feiras e eventos de promoção em Portugal e no exterior, bem como a retoma do T Jornal), ampliando os serviços aos associados e ao setor. Externamente, enfrentámos um contexto económico difícil, conforme já descrito, mas reforçámos a defesa e representação do setor, tanto em Portugal como na Europa, onde assumimos a presidência da EURATEX (Confederação Europeia da Indústria Têxtil e Vestuário).

O futuro líder deverá dar continuidade a este trabalho, alinhando a ATP às tendências globais e políticas nacionais e europeias, continuando a trabalhar para garantir que as políticas públicas apoiem efetivamente a competitividade do setor. Além disso, é essencial fortalecer a valorização da indústria têxtil e vestuário como um pilar estratégico da economia nacional e europeia.

PARTILHE ESTE ARTIGO:

rádio e televisão em direto

ARTIGOS RECENTES

ARQUIVO DE NOTÍCIAS

Mais vistos