Economia
“Estimamos que durante o 2º semestre se comece a vivenciar alguma retoma da atividade”
Em entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA, Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal aponta as dificuldades que as empresas do setor vivem com a pandemia. Para o responsável um número considerável de empresas não conseguirá sobreviver a um tão longo período de crise e acabará mesmo por encerrar. Mesmo assim tem esperança que no segundo semestre a retoma da atividade seja uma realidade.
Vivemos uma pandemia a nível mundial e Portugal, depois de um primeiro confinamento geral, volta agora à mesma situação. O que é que isto significa para o têxtil no nosso país?
Mário Jorge Machado: Este confinamento geral, em Portugal, e nalguns dos países europeus principais destinos das exportações do nosso setor, tem um forte impacto negativo na indústria têxtil e vestuário, nomeadamente em termos de um acentuar na quebra da procura, com novos cancelamentos ou adiamentos de encomendas, e reflexos imediatos na tesouraria e gestão financeira das empresas. A situação torna-se mais agudizante tendo em conta que as empresas já estão numa situação difícil quase há um ano, sendo que muitas delas não conseguiram aceder às medidas de apoio definidas pelo Governo e mesmo para aquelas que conseguiram, na grande maioria dos casos, os apoios apenas aliviam parte das responsabilidades, mas não resolvem todos os problemas. Por outro lado, com a atual situação em termos de contágios e com encerramento de escolas, é cada vez mais difícil fazer a gestão dos recursos humanos das empresas, com parte dos trabalhadores ou em quarentena ou em isolamento ou em assistência a filhos menores de 12 anos, atrapalhando o planeamento das atividades e, no último caso, representando um custo para as empresas sem qualquer contrapartida, uma vez que os trabalhadores nestas condições não estão a contribuir para a atividade e geração de receitas da empresa.
No inicio do ano, ainda antes da decisão de novo confinamento geral, o Mário Jorge Machado veio dizer que o país não aguentava um novo lock down, que seria mortal para muitas empresas. Na altura destacou o forte contributo positivo do lay off simplificado e aplaudiu o novo regime aprovado pelo Governo, que prolongou o apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade em empresas em situação de crise… Na verdade passada uma semana tudo mudou e esse lock down aconteceu mesmo. Neste momento já é possível aferir da quantidade de empresas que vão encerrar?
Neste momento, ainda não é possível fazer uma estimativa do número de empresas que vão encerrar, mas acreditamos que um número considerável não conseguirá sobreviver a um tão longo período de crise e acabará mesmo por encerrar, umas a curto prazo, outras a médio prazo, numa luta para encontrar soluções para resolver a difícil situação financeira em que se encontram ou acabarão por se encontrar. A “morte” dos próprios clientes, sobretudo para as empresas que se tenham uma relação de maior dependência, acabará por ditar igualmente um desfecho fatal para algumas empresas portuguesas.
Em todo o caso, esta situação também estará dependente das próprias medidas que o Governo ainda venha a implementar para reforçar o apoio à indústria e à economia. Por exemplo, temos vindo a reclamar junto do Governo a necessidade imperiosa de voltarmos a poder utilizar o lay off simplificado que, na primeira vaga, acabou por ser a salvação de muitas empresas e que, no nosso entender, seria igualmente a medida de apoio mais adequada para a situação atual. Não são apenas as empresas que estão fechadas por imposição administrativa ou legal as mais prejudicadas, todas as que operam nessas cadeias de valor estão igualmente afetadas.
A semana passada, a ATP foi uma de duas associações têxteis que admitiu ser urgente ser necessário fazer uma avaliação científica para clarificar se as máscaras comunitárias continuam ou não a ser eficazes face às novas estirpes do SARS-CoV-2. Disto depende a sobrevivência de muitas empresas?
Conforme temos vindo a defender, durante o período da pandemia as máscaras têxteis, devidamente certificadas, foram utilizadas por milhões de pessoas, tendo demonstrado serem capazes de as proteger adequadamente. Mesmo com a atual situação e com o aparecimento de novas estripes do SARS COV2, continuamos a achar que as máscaras têxteis, certificadas, são seguras e conferem a proteção necessária. Defendemos que seriam necessárias evidências científicas que demonstrassem o contrário para se tomarem medidas no sentido de obrigar a utilização de um outro tipo de máscara, como as cirúrgicas ou FPP2, em determinados locais. Temos em Portugal máscaras têxteis, devidamente certificadas, que asseguram níveis de retenção de partículas superiores a 90%, ou seja, equivalentes ou superiores às máscaras cirúrgicas, com ajuste adequado, clipe nasal, elevado conforto e sustentáveis. É por isso que reiteramos que as decisões devem ser tomadas com base em dados científicos e não como resposta a lobbies ou interesses específicos ou com base em opiniões.
Temos em Portugal uma indústria que serviu os interesses nacionais quando foi necessário, tendo investido em novos processos, desenvolvimento de produto, inovação, formando pessoas e criando riqueza para o país. Estimamos que estejam envolvidos na produção de máscaras têxteis, cerca de 10 a 15 mil trabalhadores. Por outro lado, as medidas tomadas nalguns países europeus irão ter com certeza impacto nas nossas exportações, as quais, para os produtos em causa, estão avaliadas em cerca de 18,8 milhões de euros por mês (com base nos valores médios mensais de exportação desde abril de 2020).
Que balanço é que possível fazer do desempenho da Indústria Têxtil e Vestuário no ano de 2020?
Neste momento os dados que temos para 2020 apontam para uma quebra das exportações do setor que deverá rondar os -12%/-13% (ainda não temos os dados do mês de dezembro). É claro que para este resultado tivemos um contributo fantástico de todos os produtos associados à proteção no âmbito do COVID (batas, máscaras, uniformes, cogulas, entre outros) que acabaram por compensar outras perdas significativas que se verificaram noutras atividades, como por exemplo, o vestuário e, em particular, o vestuário mais formal (devido à inexistência de eventos, festas, reuniões, entre outros).
A quebra na produção e no volume de negócios do setor deverá ser equivalente ao verificado nas exportações, tendo em conta que este setor é predominantemente virado para os mercados externos.
Estimamos que a quebra no emprego seja ligeiramente inferior ao verificado nos restantes indicadores, tendo em conta que a maioria das medidas de apoio às empresas limitava o despedimento durante um determinado período.
Há um ano dizia numa entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA que Portugal estava na linha da frente do desenvolvimento e da inovação têxtil. A pandemia fez esta realidade retroceder?
Em determinada medida, a pandemia veio mostrar aos portugueses em geral e a algumas autoridades nacionais, a capacidade de inovação e desenvolvimento deste setor, exatamente com o desenvolvimento e produção, em tempo recorde, de um conjunto de produtos essenciais na proteção ao covid. Estamos a falar de uma situação incrível, pois foi necessário desenvolver requisitos técnicos, estudar e testar matérias primas, processos de acabamento, desenvolvimento de produtos, desenvolvimento de testes, num espaço de 4 a 6 semanas, e tendo sido na Europa os primeiros a conseguir fazê-lo.
É natural que o investimento necessário para a inovação e desenvolvimento tenha sido afetado pela crise que vivemos, mas para se manterem competitivas neste negócio, as empresas não têm alternativa – é imperioso estar na linha de frente do desenvolvimento e da inovação. Só assim vamos conseguir fazer a diferenciação e manter os clientes ou conseguir novos. Por isso, logo que seja possível emergir desta crise é fundamental retomar essa rota.
Famalicão assumiu-se em 2018 como Cidade capital do Têxtil. É um título que lhe assenta bem? É merecido?
É um título que assenta muito bem e é merecido. Para além da importância que o setor tem neste Município, vemos uma autarquia que se orgulha disso mesmo e que tem desenvolvido iniciativas diversas com os diferentes players que também aqui se encontram, como por exemplo, a ATP, em prol desta indústria e da defesa dos seus interesses, mas também na valorização e promoção do seu potencial. É uma autarquia dinâmica que cria “pontes” e faz acontecer e com quem temos muito gosto de trabalhar.
No que diz respeito a 2021, acho que será possível haver alguma retoma?
Estimamos que durante o 2.º semestre se comece a vivenciar alguma retoma da atividade, no entanto, muito vai depender do sucesso das campanhas de vacinação, em particular nos países da Europa e América do Norte (principais destinos das nossas exportações), de forma a que possamos voltar o mais rapidamente possível à nossa vida, nos diferentes domínios, sem grandes constrangimentos. Em todo o caso, vários analistas já afirmaram que serão necessários dois ou três anos para voltarmos aos níveis de atividade que registámos em 2019.
A era “pós covid” será inevitavelmente muito diferente a vários níveis e, inevitavelmente, o consumo jamais será igual, sendo necessário adaptar-se a essa nova realidade. As empresas que forem flexíveis e tiverem essa capacidade de adaptação serão as mais bem-sucedidas.
A Indústria Têxtil e Vestuário Portuguesa já demonstrou várias vezes que é uma indústria resiliente e que tem as capacidades necessárias para se reinventar e conseguir aproveitar as oportunidades que surgem. O facto de estarmos próximos dos grandes mercados de consumo, a relação de confiança que temos com os clientes, o conhecimento e o know how que temos no desenvolvimento de produtos e serviços que respondem e superam as necessidades dos clientes, a flexibilidade e capacidade de resposta rápida, a capacidade de inovação e as boas práticas em termos de responsabilidade social e sustentabilidade, entre outros atributos, continuarão a ser determinantes na retoma e no sucesso do setor.
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