Famalicão
ENTREVISTA: “Mudamos a perspetiva com que as pessoas olham a Câmara”
Paulo Cunha está a terminar o seu segundo e último mandato como presidente da Câmara de Famalicão. Depois de 12 anos na autarquia, quatro como vereador e oito como presidente, é altura de fazer um balanço e falar também do futuro.
OPINIÃO PÚBLICA: Sempre disse que ser presidente da Câmara de Famalicão era das coias que mais gostava. Mas sai, quando poderia ainda completar mais um mandato… entende que o seu trabalho ficou concluído?
Paulo Cunha: De facto, vou sair daquilo a que chamo a cadeira de sonho, porque não antevejo nada mais gratificante para mim do que ser presidente de Câmara. Mas entendo que esta função não existiu para dar prazer a quem a serve. Existiu para que quem a desempenha seja eficaz e tenha as ações mais acertadas. Tomei a decisão de não me recandidatar porque percebi que era melhor para Famalicão que houvesse uma mudança nesta altura. Há um ciclo novo que se abre: temos um quadro comunitário que está a terminar, temos um novo quadro comunitário que está a iniciar e temos o PRR. Ou seja, é uma conjugação de oportunidades do ponto de vista comunitário que nunca houve no país e que dificilmente se repetirá no futuro. E entendo que isto exige um planeamento a médio/longo prazo que vá muito além de quatro anos.
Diz que é preciso iniciar um novo ciclo, mas o candidato da coligação já disse que vai encabeçar uma candidatura de continuidade…
É possível e desejável que haja mudança na continuidade e é isso que o prof. Mário Passos tem dito, e bem. É continuidade no perfil, no alinhamento, no processo sóbrio de gestão autárquica, no cuidado com as pessoas, na preocupação com os mais necessitados, na capacitação do território, na aposta na educação, juventude, desporto, cultura e outras áreas. Só que isso pode-se fazer de muitas formas e o Mário Passos, se for eleito, como espero, há de ter a sua forma de desempenhar essas funções. Além disso, o próximo presidente de Câmara tem um horizonte legal de 12 anos, mas se o Paulo Cunha fosse recandidato e eleito, só poderia apresentar propostas para quatro anos, caso contrário seria pretensioso. Eu não sou pretensioso e, por isso, era incapaz de estar na Câmara Municipal a fazer planos para quem viesse a seguir, fosse ele quem fosse.
Insisto neste tema porque, como sabe, são muito os rumores que quer almejar voos mais altos, fala-se até numa candidatura à liderança do PSD nacional…
Não tenho nenhuma ambição política. Mas se esta entrevista fosse feita há 15 anos, eu também lhe dizia que não tinha ambição de ser presidente de Câmara. Ou seja, eu não faço planeamento de médio prazo para a minha vida, a não ser a vida familiar. Na profissional e política, não faço. Tomei esta decisão, única e simplesmente, a pensar em Famalicão.
Mas pretende continuar na vida política e partidária ativa?
Claro que sim. Sou presidente da Concelhia e da Distrital de Braga do PSD e não vou cessar as minhas funções, eventualmente, até me irei recandidatar a um novo mandato na distrital. Além disso, a vida política não é exclusiva dos governantes. Para se fazer política não se tem que ser primeiro ministro, deputado, presidente de câmara ou presidente de junta. Não escondo que fazer política sem ser governante, no nível local em que sou hoje, vai ser um mundo novo para mim e que me vai dar prazer fazer política dessa forma.
Partindo agora para um balanço ao mandato, que marca é que acha que a sua gestão vai deixar a Famalicão?
A principal marca é a mudança da perspetiva com que as pessoas olhavam a Câmara Municipal, que depois se materializa em projetos, em obras, em iniciativas. Mas o centro é: como é que as pessoas olhavam para a Câmara Municipal antes de eu iniciar as minhas funções e como é que olham hoje. A Câmara é mais útil ou menos útil? É mais ou menos respeitável? É mais ou menos credível? Há sinais que me permitem concluir que se evoluiu.
Em que aspetos?
Hoje conseguimos por empresas a ajudar a fazer obras num hospital, como é o caso da Clínica da Mulher e da Criança do CHMA, ou a ajudar o tecido associativo muito mais do que conseguíamos antes. Isso não quer dizer que as empresas
tenham ‘excesso’ de capacidade financeira, quer dizer que estão mais comprometidas com o território. E o que digo das empresas, digo das associações e dos cidadãos, da forma como colaboram e interagem com o Município. O Balcão Único é uma forma para que as pessoas se sintam bem na Câmara Municipal, o Made IN é para que as empresas, os potenciais empresários, os jovens empreendedores possam entrar porque a porta do Município está franqueada. São exemplos que me fazem concluir que o nosso trabalho autárquico está a ser bem conseguido.
A questão da habitação tem dominado a pré-campanha. É uma área que não foi trabalhada? Tem de o ser no futuro?
É uma área a trabalhar no futuro e que já deveria ter sido trabalhada no passado a nível nacional. Uma das alíneas do Plano de Recuperação e Resiliência tem a ver com a habitação. Há um financiamento e a Câmara de Famalicão também tem o seu plano em curso, que deverá ficar fechado até ao final do ano. Mas nós já temos uma pequena medida em curso, de apoio à habitação nos jovens, em que estes vão pagar menos de água e saneamento. Isoladamente, pode parecer pouco, mas permite aos jovens ter mais dinheiro disponível, porque as despesas com a habitação não são só a renda. E há outra medida que ajuda: temos um loteamento em Rebordelo há cerca de 20 anos e está, finalmente, a ser comercializado. Sabe porquê? Porque fomos inovadores na forma como comercializamos, com lotes a preços que induzem no mercado um sinal para que haja uma redução dos preços da habitação. De resto, este problema não é só de Famalicão, é do país inteiro…
Mas somos, aqui à volta, o concelho com habitação mais cara?
Porque há uma grande pressão de procura externa. Uma percentagem muito significativa de pessoas que compraram apartamentos em novos empreendimentos, não são pessoas de Famalicão. Por exemplo, em Nine está a ser construída muita habitação para pessoas que são de Viatodos e até do Porto. Mas isso é bom sinal, porque se Famalicão não tivesse qualidade de vida ninguém do Porto vinha cá comprar uma habitação. É uma consequência má, que resulta de uma coisa boa.
Está em curso a renovação do centro urbano da cidade, mais do que uma obra é uma nova filosofia de vida citadina que quer deixar?
Sim. Hoje, quando temos uma tarde soalheira, seja de inverno ou de verão, algumas pessoas vão para o Parque da Devesa, felizmente, mas muitas outras que saem de Famalicão porque não têm um local aprazível na cidade, onde se possa estar com a família em liberdade. Famalicão tem que ter um espaço público que retenha os famalicenses. Em todas as freguesias temos centros cívicos, espaços muito agradáveis, mas perdemos a centralidade na cidade. Temos que a reganhar.
Acha que os famalicenses estão preparados para essa nova forma de ver e viver a cidade, sabendo-se que será dada primazia ao peão, aos meios suaves de transporte?
Mas nós não vamos retirar os automóveis da cidade, só os dois topos da praça é que vão ficar com as vias encerradas ao trânsito. O que vamos é criar condições para que as pessoas percebam, incluindo os automobilistas, que esses locais não são os melhores para os automóveis. É uma filosofia diferente. Não é impor as coisas, é fazer com que as pessoas percebam que esse é o melhor caminho. Estou seguro de que o que está em curso – e é uma obra difícil, demorada, desagradável – vai compensar cada minuto de constrangimentos que estamos a viver.
A verdade é que as obras não estarão concluídas antes das eleições. Acha que isso terá repercussões nos resultados eleitorais?
É uma boa questão, porque fui acusado de ser eleitoralista por fazer essa obra. Admito que haja perdas eleitorais, que haja perda de votos na coligação, mas eu fiz a obra quando ela tinha que ser feita. Isso só prova que é falso que o timing da obra tenha sido escolhido por causa do contexto eleitoral… é exatamente o contrário.
Entretanto, há obras que ficaram por fazer… o Centro de atletismo, o novo estádio municipal?
Propositadamente, e não foi porque a Câmara não tivesse meios financeiros para as executar. Foi porque a Câmara acha que fazê-las nesta altura, seriam caras demais. Teriam um preço muito além daquilo que é o razoável, quer o estádio quer a pista de atletismo. Além de que são obras que não têm fundos comunitários. Como isto tem ciclos, estou certo que no próximo ano teremos menos obras, haverá menos pressão sobre as empresas, porque não será ano de conclusão de fundos comunitários, e os preços vão baixar.
Há algo que gostaria de ter concretizado e não conseguiu?
A área da saúde. A resistência nacional, dos governos (e estou a falar no plural) a uma verdadeira reforma na área da saúde é uma pedra no meu sapato. Já em novembro de 2015 reclamava do governo da altura, que era do PSD e liderado por Pedro Passos Coelho, mais competências municipais na área da saúde.
Mas agora, que este Governo quis transferir algumas competências, não as aceitou?
Chama-lhe competências? O que o Governo quer transferir para as câmaras municipais é a manutenção do edifício, a limpeza do edifício e o pagamento do salário ao pessoal não clínico. A Câmara não tem nenhum poder de decisão. Por exemplo, a unidade de Fradelos está sem médico há demasiado tempo e eu não consigo compreender como é que as entidades de saúde recusam a que Fradelos seja um polo da USF de Ribeirão. O que é que é mais fácil: ir 2.000 pessoas de Fradelos para Ribeirão ou vir dois médicos de Ribeirão para Fradelos prestar consultas? E acha que a Câmara vai aceitar competências sem poder mexer nisto?
Não vale a pena?
Não. É que nem são competência, são tarefas. O meu colega do Porto chama-nos tarefeiros e com razão.
Ao longo do mandato foi muito crítico deste Governo, o que o leva a dizer que tem prejudicado Famalicão?
Uma nota prévia: sou muito crítico em relação aos governos que merecem a minha crítica. Fui crítico em relação ao Governo de Pedro Passos Coelho, no que à saúde diz respeito. Provavelmente, fui mais com este Governo porque é o que está mais tempo em funções desde que sou presidente de Câmara. E de facto, tem prejudicado Famalicão, a Loja do Cidadão é exemplo disso. Vai ficar nos anais da história como a loja com menos investimento estatal. Oitenta por cento é investimento do Município.
E porque é que, neste caso, decidiu assumir essa competência, que não é municipal?
Porque era tempo a mais para Famalicão fazer parte do terceiro mundo do ponto de vista dos serviços estatais prestados aos cidadãos.
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