Famalicão
“Há hoje um casamento entre a Universidade e Famalicão que dificilmente será dissolvido por uma qualquer infidelidade”
A relação tem sido de aprendizagem entre a cidade e a Universidade Lusíada, desde que cá se instalou há 32 anos. O seu Chanceler, numa entrevista profunda ao OPINIÃO PÚBLICA, faz a radiografia desta evolução e desenha os traços para o futuro. De uma coisa João Duarte Redondo não tem dúvidas: toda a gente em Famalicão percebeu o que a Universidade trouxe à cidade.
Carla Alexandra Soares
OPINIÃO PÚBLICA: Qual é o balanço que faz destes 32 anos de Universidade Lusíada em Famalicão?
João Duarte Redondo: Foram 32 anos gratificantes porque se trata de um projeto pioneiro, numa cidade como Famalicão. O objetivo era trazer a universidade para o contexto da própria indústria, empresarial, e desenvolver aqui um conjunto de oferta formativa, quer do ponto de vista pedagógico, quer do ponto de vista do desenvolvimento científico, que tivesse uma relação muito íntima, muito própria com a natureza da região. Daí uma aposta muito forte, na altura, em tudo que era engenharias relacionadas com o têxtil e vestuário, calçado…
À medida que o tempo foi andando verificamos que havia a necessidade de complementar, porque uma Universidade não se pode cingir a uma única área, tem que ser articulada com as várias áreas científicas. Portanto, fomos alargando os objetivos, com alguma dificuldade em desenvolver, de acordo com aquilo que era a nossa perspetiva, as áreas tecnológicas do ponto de vista da procura do ensino superior.
Teve que haver uma adaptação constante…
Este foi o pacote mais ou menos inicial, com o objetivo de começar com duas ou três engenharias, depois acrescentar mais duas… Mas a verdade é que a procura das engenharias se revelou sempre muito escassa aqui em Famalicão.
Mas há uma explicação para essa baixa procura?
Há uma explicação, que não tem a ver com a própria universidade, mas com o contexto daquilo que são as regras de acesso ao ensino superior. Quando por imposição legal se institucionalizou a obrigatoriedade da Matemática e da Física para as Engenharias, todos os cursos nesta área, e não aconteceu só em Famalicão, mas sim por esse país fora, sofreram uma queda abrupta na procura. Isso continua-se a verificar.
Mas nós continuamos firmes naquele que é o propósito de manter aqui uma boa oferta de Engenharias, e temos pena que não tenha a procura consistente que uma instituição precisa. Isto não tem a ver apenas com a sustentabilidade financeira, mas também com a sustentabilidade pedagógica e cientifica.
Também a evolução legislativa que houve ao longo destes 32 anos levou a várias operações do ponto de vista do modelo orgânico da própria universidade. Começamos com um polo, como tinha que ser, passamos a uma Universidade completamente autónoma, como tinha que ser, e agora passamos a ter, aquele que era o nosso projeto desde sempre, uma única universidade de dimensão nacional, com centros nos locais onde eles tivessem razão de existir. A nossa última operação foi conseguir, finalmente, colocar nos nossos estatutos aquela que era a ideia base, ou seja, ter uma Universidade de dimensão nacional. Essa dimensão nacional permite-nos, desde logo, dizer que a Universidade é uma, que a dignidade que tem o campus universitário de Lisboa é idêntica à dignidade que tem o campus do centro universitário do Norte.
Com este modelo orgânico é totalmente possível que estudantes do Porto possam vir a Famalicão, em cursos que funcionam nas duas cidades, como é o caso do Design. Temos aqui a componente Laboratorial que não queremos levar para o Porto e temos que criar condições logísticas para que os estudantes tenham um dia por semana para visitar Famalicão e criar esta dinâmica de entrada e saída de pessoas na cidade…
E se quiserem aproveitar os programas de mobilidade interna que também temos, os estudantes podem estar aqui e ir fazer um semestre a Lisboa, num curso correspondente e onde vão buscar unidades curriculares que possam complementar o que aqui não têm. O objetivo foi o de ter uma universidade com outra escala, outra dimensão. A dimensão nacional também traz dimensão internacional.
Mas esse objetivo, de elevar a Universidade Lusíada a outra escala, já foi conseguido?
Sim. Foi uma luta nossa de muitos anos e foi finalmente conseguido. Os estatutos da Universidade consagram-no e isso já nos dá uma escala crítica, mesmo em termos internacionais, porque não falamos de uma Universidade em Famalicão, ou de uma universidade média em Lisboa, falamos de uma Universidade que tem a escala que tem, com mais de seis mil alunos, 600 centros de investigação acreditados e a maior oferta de ciclos doutorais no âmbito das instituições de ensino superior privadas.
No seu discurso do Dia da Universidade, em maio passado, sublinhou o projeto educativo de sucesso que é a Lusíada, mas admitiu que existiram altos e baixos…
Tivemos altos e baixos em toda a Universidade, não exclusivamente em Famalicão. Penso que o ensino superior em todo o país teve altos e baixos. Em relação à Lusíada, esses altos e baixos não são reflexo apenas daquilo que é a Lusíada, mas daquilo que é o país. Porque ao longo deste percurso, que são 37 anos, a universidade foi preparada para uma lógica de crescimento em função daquela que era a procura expectável do ensino superior.
Houve situações, designadamente na oferta pública, em concorrência com as instituições privadas que comprometeram de alguma forma o projeto de desenvolvimento que as universidades privadas tinham.
A Universidade Lusíada, no seu todo, já teve 17 mil estudantes, também já teve 4 mil. O que temos procurado fazer agora é um crescimento muito sustentado, muito suave, que permita restruturar com tempo e que venha dando sempre a consistência devida ao nosso crescimento, espalhada pelas várias áreas científicas que abrangemos.
A essas dificuldades que foram surgindo, eu prefiro chamar de desafios, porque nos obrigam a refletir sobre os problemas e a projetar novas soluções.
Falou, na mesma intervenção, da importância de terem nas vossas mãos a formação de mais de 40 mil alunos…
A Universidade Lusíada, desde que existe, já colocou no mercado de trabalho mais de 40 mil diplomados e desses 40 mil diplomados não é nada difícil encontrarmos profissionais do maior reconhecimento quer a nível nacional, quer a nível internacional.
Estamos a falar de pessoas que chegaram a níveis de carreira absolutamente notáveis, muitos deles mesmo ao topo e cargos de grande responsabilidade. Desde logo, já tivemos um Primeiro ministro, uma ministra da Economia, ministros dos Negócios Estrangeiros, temos hoje um ministro da Administração Interna, um secretário de Estado…
Nós temos a noção que o trabalho que fizemos foi bem feito, mas tenho esta convicção que a Universidade é um trabalho que está sempre por fazer. Ou está ainda por começar, porque se não entendermos isto na Universidade, que é onde andamos à procura do conhecimento, da novidade, da inovação, então morremos.
O que falta hoje, sobretudo, é a mentalização dos nossos estudantes para o trabalho. Estamos, Universidade Lusíada, a dar passos muito importantes nesse sentido. Procuramos na formação académica, que tem naturalmente uma componente científica muito forte, introduzir aspetos da vida profissional, da vida prática, através de estágios, visitas às empresas, que também visitam a própria Universidade.
Eu digo que a Universidade está sempre por fazer porque as gerações que vêm a seguir às nossas são sempre diferentes, foram habituadas doutro modo, têm contacto com tecnologias. Esta geração que temos agora, do ponto de vista formal, é a mais bem preparada de sempre. Nunca tivemos tanta gente diplomada, nesta escala etária, como temos hoje.
Isto significa alunos mais bem preparados?
Significa que têm uma formação que lhes permite, acima de tudo, encarar aquilo que não conhecem. Qualquer estudante tem que sair da Universidade com esta ideia, e nós temos que criar esta convicção, que os estamos a preparar para eles conseguirem dar respostas a todas as situações que encontrarem na vida.
O que mais confusão me faz é as pessoas colocarem dúvida na utilidade da formação académica. Aliás, a nossa formação, o nosso nível cultural, científico, educacional é a única coisa que é nossa. É a única que ninguém nos consegue roubar. Aquilo que eu sei, que eu estudei, que construí intelectualmente, ninguém me consegue roubar é o meu maior património.
Nesse sentido, o contributo que a Universidade deu em Famalicão foi precisamente de, aqui neste local, termos tido esta possibilidade de ajudar a que alguns milhares de jovens e menos jovens, porque o facto de nos termos instalado aqui permitiu a muita gente que já estava no mercado de trabalho poder estudar sem ter que ir para outro sitio. Se fosse só este o nosso contributo já era valiosíssimo. Contribuímos para que milhares de pessoas pudessem ter uma formação que lhes permitiu, de alguma forma, olhar para a vida de outra maneira, para a sua progressão de outra maneira, olhar para as suas competências, autoestima doutra maneira. O facto de termos contribuído para isto, já é sinónimo de sucesso.
A Universidade Lusíada em Famalicão, contou, e ainda conta, com diversos parceiros para que o projeto fosse possível. Aliás, já o ouvimos falar do apoio incondicional da autarquia…
A Universidade Lusíada vem para Famalicão porque há, na altura, o apelo do presidente da Câmara Municipal, na altura o dr. Agostinho Fernandes, que acompanhou este processo desde o início e que criou todas as condições para que fosse possível, em pouco tempo, estruturar um projeto deste género e apresentá-lo, na altura, ao Ministério da Educação.
Para além disso, a inteira disponibilidade e o apoio incondicional também dos industriais locais através do núcleo do Vale do Ave, que se formou propositadamente para ajudar a Universidade a estruturar-se.
A maior prova do sucesso que tivemos aqui foi o facto de outras virem para cá e de outras estarem a querer vir para cá, ainda hoje.
Posso ser suspeito a falar, mas não tenho dúvidas que a Universidade Lusíada é uma instituição identificada com qualidade, com prestígio, com seriedade. São aspetos que nunca deixaremos descurar.
A Universidade Lusíada em Famalicão teria muito mais dificuldades em manter-se se fosse uma instituição isolada, autónoma, do que neste contexto, ou seja, a dimensão nacional da instituição.
A Universidade Lusíada sempre tentou manter uma ligação com a comunidade, por um lado para se integrar, por outro para se dar a conhecer…
Somos uma Universidade aberta, participo, sempre que possível, em certames em todo o mundo, temos o Dia Aberto, temos sistematicamente visitas de escolas secundárias e básicas. Temos um projeto que é dos mais emblemáticos das universidades portugueses que é o My Machine, que tem uma repercussão enorme e era tão interessante podermos levar este projecto para as escolas, sempre associado à Universidade Lusíada.
Temos, por lógica, andar sempre com maturidade e consistência e não fazer as coisas à pressa.
Claro que também temos coisas que podem ser muito melhoradas, designadamente a ligação às escolas profissionais. Tem que haver uma ligação mais estreita entre aquilo que se aprende nas escolas profissionais e o que se vai aprender à Universidade. Não é a mesma coisa. Porque o que se estuda nas escolas profissionais é o saber fazer, e nas universidades apura-se porque é que se sabe fazer determinada coisa.
Eu sou ator da mudança se souber fazer, mas também como vou introduzir naquilo alguma mais valia.
Como é que vê o futuro desta instituição de ensino? Ou como é que a Universidade Lusíada pretende construir o futuro?
Um dos primeiros projetos em que temos que trabalhar, embora seja um processo que já tem vindo a ser construído há muito tempo, é na internacionalização da Universidade, que não tem apenas a ver com a mobilidade de estudantes, que vão fazer um semestre a Itália, Londres ou Espanha, ou doutros que vêm para cá. A internacionalização da Universidade tem a ver, em primeiro lugar, com a sua integração em redes internacionais, desde logo de investigação, que permitam que estes centros de investigação possam ter uma atividade crescente mais estruturada, mais visível e com um contributo mais notado para o desenvolvimento das ciências em que eles são envolvidos.
Queremos também continuar a apostar nas novas tecnologias, na transição digital. Não tem apenas a ver com as aulas virtuais, tem a ver com processos muito mais interessantes do que isso, desde logo o nosso contributo para a redução do uso de papel.
Aqui, propriamente em Famalicão, o que está sempre na base é, cada vez mais, uma ligação maior à industria e comércio locais e à sociedade local.
Outra questão que nos é muito cara é a ação social e que continuará a ser uma aposta no futuro. A Universidade tem uma responsabilidade social, que tem que ser bem vincada e por isso tem que encontrar mecanismos que possam eliminar algumas desigualdades sociais.
A Universidade Lusíada tem no seu budget anual muito perto de três milhões de euros destinados a apoio de mérito e a apoio social. Contribuímos para que cerca de 14% dos estudantes da nossa Universidade, a nível nacional, tenham apoio social através do Fundo de Apoio ao Estudante.
Temos um princípio, que vigora desde o primeiro momento da Universidade, que é ninguém deixará de estudar na Lusíada por ter encontrado no seu percurso dificuldades financeiras.
Em Famalicão, sei que há hoje um casamento entre a Universidade e a cidade que dificilmente será dissolvido por uma qualquer infidelidade. Toda a gente em Famalicão percebeu o que a Universidade trouxe à cidade. Neste momento, está de pedra e cal e, passados 35 anos, não está pior do que estava há 20 anos.
Com esta colaboração e interesse institucional da própria autarquia acho que o caminho se vai conseguir fazer e que Famalicão será cada vez mais conhecida não só pela industria, mas por esta ligação que há entre a criação do conhecimento e a aplicação do conhecimento. Podemos ter aqui um pequeno Sillicon Valey…
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