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Sociedade

Margarida Malvar: “Um dia iria ser advogada e fazer a justiça aos injustiçados”

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Nasceu na freguesia de Gavião, a 17 de maio de 1944. Foi uma das raras mulheres candidatas da Oposição Democrática a eleições, durante os 48 anos da ditadura do Estado Novo. Margarida Malvar, advogada, é uma figura incontornável na luta pela liberdade, pela democracia, pelos direitos das mulheres e da igualdade de género. 

Começou muito cedo nestas lutas. Em 1958, com apenas 14 anos, foi escolhida para entregar ao general Humberto Delgado a coroa de flores que iria depor no monumento aos mortos da Grande Guerra, na sua passagem por Famalicão, quando candidato à Presidência da República. A cerimónia não chegaria a realizar-se, devido à intervenção das autoridades, mas Margarida Malvar encontra uma explicação para esta sua consciência social. “Tive a felicidade de viver dentro de uma família de democratas. Éramos seis filhos, duas raparigas e quatro rapazes, e fomos sempre tratados por igual”, contou ao OPINIÃO PÚBLICA.

Por outro lado, a mãe era “uma leitora compulsiva”, o pai era licenciado em Direito (embora a PIDE nunca tenha permitido que exercesse), o padrinho era o conhecido democrata Lino Lima, pelo que teve, em casa, “uma educação contra aquilo que era a opressão”.   

Depois, o despertar para sua atividade cívica começou quando Lino Lima foi preso pela PIDE. Margarida Malvar recorda que, no dia seguinte à prisão, chegou à escola e ouviu das colegas o comentário “o teu padrinho foi preso”. “Aquilo revoltou-me imenso e eu respondi ‘não está preso por roubar ou por matar, está preso por defender a liberdade’”. A partir daí, soube que “um dia iria ser advogada e fazer a justiça aos injustiçados”.

E assim foi. Na altura, era a única aluna de Direito, sendo que o curso não era aberto a todas as profissões para as mulheres. “Por exemplo, não podia ser magistrada, nem do Ministério Público, nem judicial, e não podia ser diplomata”.   

Enquanto estudante, fez parte de movimentos pró-associação no liceu e frequentava o último ano do curso de Direito quando se candidatou a deputada. Em 1969 participou no II Congresso da Oposição, em Aveiro.

Questionada sobre de onde vinha a coragem para desafiar o regime, como democrata e como mulher, Margarida Malvar diz que “havia um medo relativo”. “Sabia o que estava a fazer, por que estava a fazer, mas não corria os riscos que outras pessoas corriam”. Exemplo disso, foi o facto de ter sido convidada, “ainda novinha”, para aderir ao Partido Comunista, ao que respondeu sempre que não “porque não sabia se tinha coragem, se fosse presa, de aguentar na cadeia aquilo que tantas outras mulheres passaram”.   

Acabaria por aderir ao PCP já depois do 25 de Abril, em 1982, mas, apesar da intervenção política, a advocacia foi sempre a sua principal missão. Conta que os tribunais eram sítios “completamente masculinizados”, mas nunca se sentiu verdadeiramente discriminada ou restringida, porque “também nunca o permitiu”. E, a propósito, conta um episódio ocorrido em Chaves, quando foi fazer uma defesa e, nas alegações finais, o advogado de acusação a parabenizou, pela “forma masculina como assumiu a defesa”. “Engoli em seco e quando chegou a minha vez de intervir levou a resposta, disse que não conhecia, nem tinha em  nenhum livro que havia uma forma feminina ou masculina de defender seja quem for; o que há é uma boa ou má defesa”.  

Passados 50 anos do 25 de Abril, Margarida Malvar diz que muito mudou quanto à condição feminina. E para aqueles que se esqueceram, relembra que a mulher casada não podia ter um estabelecimento comercial, abrir uma conta bancária ou ir ao estrangeiro sem o consentimento do marido, “era letra de lei”.

Mesmo assim, ainda há caminho a percorrer e, por isso, considera importante, ainda hoje, celebrar o Dia Internacional da Mulher. “Apesar de, sob o ponto de vista legal, as mulheres terem os mesmos direitos que os homens, sob o ponto de vista social, não têm. Em muitas situações, a mulher ainda é muito subordinada a um jugo masculino, basta ver a diferença salarial”, argumenta.

Lembrando que, ao longo dos tempos, “a mulher teve sempre que cavalgar e lutar para conseguir atingir direitos iguais como ser humano”, Margarida Malvar sublinha que “a maior parte da humanidade é feminina”, por isso, aconselha as mulheres a valorizarem as suas capacidades e a nunca se sentirem diminuídas, em nada”. 

No próximo dia 8 de março, Margarida Malvar vai receber o Prémio Elina Guimarães 2024, atribuído pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, que visa distinguir personalidades que se tenham destacado especificamente na defesa dos direitos das mulheres.

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