Famalicão
ENTREVISTA: “A Páscoa é o melhor de todos os dias”
Aproveitando as celebrações da Semana Santa, em entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA, o Arcipreste Francisco Carreira fala sobre os desafios que hoje se colocam. Convida os cristãos famalicenses a participar nas atividades, mas, sobretudo, a encontrar a Páscoa nas coisas mais simples. Há 14 anos em Famalicão, Francisco Carreira fala ainda sobre os desafios que o ativo arciprestado de Famalicão lhe coloca.
OPINIÃO PÚBLICA: Que Páscoa as pessoas podem viver este ano? É o regresso à normalidade?
Francisco Carreira: Sim, Graças a Deus que temos o regresso ao que era a normalidade anterior à pandemia. Mas diria que a Páscoa sempre foi a mesma, na medida em que ela não precisa destas exterioridades para se manifestar. É óbvio que sem essa exteriorização não é tão conhecida. Por isso, a Páscoa é movimento da morte à vida, movimento das pessoas e de tudo aquilo que de facto ela nos pode proporcionar. É transformação e mudança e, por isso, a pandemia nunca condiciona a celebração da Páscoa propriamente dita porque ela é sempre a Ressurreição de Cristo. A forma como depois a vivemos, celebramos e a exteriorizamos, sim, isso pode estar condicionado por uma pandemia ou por uma guerra.
A Páscoa em si é sempre um acontecimento da Fé que há de ser sempre celebrado. Cada um de nós escolhe como a vive, na medida em que a vive de acordo com a proposta da Igreja e da sua expressão de Fé.
O ano passado na sua mensagem de Páscoa falava no poder das coisas simples. Acha que a pandemia obrigou os cristãos a viverem este período de forma mais simples?
Sim, às vezes estas manifestações exteriores são muito complexas. Se olharmos para algumas procissões da Semana Santa, temos ali muito rebuscado no meio, muitas ideias e muita tradição, mas nós podemos encontrar a Páscoa nas coisas mais simples. Por exemplo, o pai e a mãe, em casa, dizerem “Cristo ressuscitou Aleluia” aos filhos e viverem este dia de uma forma diferente. Celebrá-lo de forma diferente, até o almoço ou o vestir serão diferentes, o ir à igreja será diferente e, por isso, essa simplicidade é muito bem-vinda porque traduz aquilo que Jesus fez connosco.
Passados dois anos, as celebrações da Semana Santa estão de regresso. Quais são, no seu entender, os pontos altos?
O ponto alto de toda a Semana Santa é o chamado Tríduo Pascal, que é marcado pela celebração da Quinta-feira Santa com a celebração da ceia do Senhor e o gesto do Lava-Pés. Outro momento alto é a celebração da Paixão de Jesus na Sexta-feira Santa, portanto, a Sua morte. Outro momento altíssimo é a Vigília Pascal.
Temos este Tríduo Pascal que é um dia inteiro, embora o vivamos em três dias. A própria celebração que começa na Ceia do Senhor, só termina na Vigília Pascal, portanto não há fim da celebração. Nós começamos, damos uma pausa ao momento celebrativo, mas depois na Sexta-feira continuamos com a Paixão e no Sábado Santo com a Vigília e aí conclui-se a celebração deste Tríduo Pascal. A celebração da Paixão, Morte e Ressurreição.
Gosta do dia de Páscoa?
É o melhor de todos os dias. Estes dias são muito intensos, não só pelo trabalho que eles trazem, mas pela fé que celebramos porque, no fundo, aqui está o centro de toda a vida cristã. Sem a Morte, sem a Paixão, sem a Ressurreição não existe vida cristã. Portanto, aqui está o núcleo da nossa fé e é isso que nós procuramos expressar de uma forma mais clara, mais evidente não só nas celebrações, mas nas tais manifestações exteriores que são as procissões, via sacra e outras atividades culturais que traduzem aquilo que é a nossa esperança e a nossa fé no Cristo ressuscitado
A pandemia ainda não terminou. Quais são as principais regras que as pessoas têm que cumprir? Por exemplo, a Visita Pascal está de regresso, mas sem o beijar da cruz…
Diria que essa é a regra por excelência em que, de facto, se pede às pessoas que não toquem na Cruz, que evitem gestos de proximidade. No entanto, não deixa de existir essa visita, esse anúncio da Ressurreição de Cristo a cada uma das famílias e as famílias são, por isso, chamadas a acolher como já faziam e sempre o fizeram bem.
A Cruz entra, fazemos uma celebração pequenina, à imagem do que já acontecia, e fazemos um gesto à Cruz, em gesto de veneração que é traçar sobre nós o Sinal da Cruz porque é isso que nós dizemos no dia do nosso batismo: nós somos cristãos a partir da Cruz de Cristo. Aliás, toda a caminhada da Quaresma foi um procurar aproximarmo-nos da Cruz de Cristo, um configurarmos-nos com a Cruz de Cristo. Portanto, a Cruz que está ali diante de nós, florida, significa a Páscoa e é para nós esse sinal da Ressurreição. Então, traçamos sobre nós o sinal da nossa salvação que é o Sinal da Cruz, ou então fazer uma vénia, para que haja esse sinal de adoração.
De que forma define o Arciprestado de Famalicão? É ativo? E as pessoas, são participativas e envolvidas?
Este é um Arciprestado desafiador. Definiria como um Arciprestado que traz muitos desafios, pela sua diversidade, pela sua dimensão. Claro que as pessoas estão ativas e presentes. A pandemia trouxe algumas dificuldades que não podemos ocultar e algumas pessoas deixaram de participar, mas, aquilo que eu sinto neste momento é que as pessoas estão a regressar, não sei se será pela proximidade da Páscoa, mas, a verdade, é que as igrejas estão a ficar mais cheias. Por isso, é que o desafio é agora acrescido para nós padres de continuarmos a dar alimento. Não é que não o tivéssemos feito na pandemia, apesar das igrejas fechadas, procuramos, através dos meios digitais, continuar a ter uma presença e uma ligação, para que a comunhão e a participação continuassem ativos nas pessoas. Portanto, é um Arciprestado que é um desafio, tem múltiplas variedades e formas de se manifestar. Uma coisa é Riba de Ave, por exemplo, outra coisa é Gondifelos, duas pontas do concelho, um meio mais agrícola, outro mais fabril e isso faz com que seja distinto nas várias zonas.
Houve muito essa discussão no decorrer da pandemia em que, de um lado, se dizia que isso afastaria as pessoas da Igreja mas, de outro, que pelo contrário a pandemia iria trazer mais pessoas às igrejas, quando isso fosse possível. O que acha que está a acontecer?
Sentimos, naturalmente, esse afastamento nas nossas comunidades pois diminuiu a participação, Não era possível estar toda a gente nas igrejas e senti que houve fases em que as pessoas não estavam. Agora, aqueles que são os agentes mais ativos da comunidade, esses, sempre mostraram proximidade, preocupação e inquietação numa perspetiva de nos ajudarem a encontrar caminhos para podermos chegar a todos e a voltar a aproximar e a criar pontos de encontro. Outras formas de assegurar que a comunidade continuasse a ser quem é e que continuasse a crescer e a fortalecer-se.
A pandemia marca um percurso na história, uma mudança em muitos setores da vida. Acha que a Igreja se reinventou a partir daí?
A Igreja é chamada sempre a reinventar-se. Aliás, o Papa Francisco trouxe-nos agora um Sínodo que é lançado a toda a igreja universal, e ele pede precisamente isso: “vamos pensar a Igreja de novo. Vamos pensar na missão, na participação e na comunhão”. Portanto, a Igreja está sempre a reinventar-se e creio que a pandemia ajuda a despoletar essa necessidade de se reinventar. E não temos que ter medo disso. Antes pelo contrário, temos que nos preparar e ouvir o dom do Espírito Santo para nos inspirar e essa mudança e não ter medo da mudança porque ela faz parte da vida da Igreja.
Quais são as principais dificuldades e desafios que o Arciprestado enfrenta? E podemos abordar desafios espirituais e infraestruturais…
Eu penso que o Arciprestado, a nível de infraestruturas, não tem dificuldades. Todas as comunidades têm as suas infraestruturas: as suas igrejas, as suas capelas mortuárias, os seus centros pastorais.
O grande desafio dos dias de hoje para a Igreja pode ser, de facto, a formação. Outro grande desafio é a juventude. Nós sentimo-nos desafiados a alguma coisa, que ainda não conseguimos fazer, que é a aproximação da juventude à Igreja. Fazer com que ela se sinta parte ativa e transformadora desta mesma Igreja. Esse é o grande desafio dos nossos tempos. Fazer com que a juventude não se sinta à margem da Igreja.
Esta frase é sua, retirada da mensagem da Páscoa do ano passado: “A Páscoa não nos ilude nem é uma poção mágica que nos livra das dores de parto da vida. A Páscoa é a vitória do amor sobre a raiz do mal, que transforma o mal em bem: é a marca exclusiva do poder de Deus”.
Esta é a sua definição da Páscoa?
Já não me lembrava disso, mas está muito bem definida. Acredito nisso piamente porque a Páscoa transforma tudo e se nós acreditarmos nesta Páscoa como um momento de passagem das tais dores de parto, da passagem da morte à vida e de que este Cristo está aqui por nós e para nós, para nos dar a vida, claro que a Páscoa é absolutamente redentora, transformadora e revigoradora.
Qual é a mensagem que deixa para os fiéis famalicenses nesta época tão especial para a Igreja Católica? De que forma convida as pessoas a viverem esta Páscoa?
Convido as pessoas a viverem esta Páscoa no sentido da Paz. Nós estamos a precisar dessa mesma Paz. Vemos que ela é destruída pelo ódio, pela violência, pela ganância e outras ideologias que nós não compreendemos nem sequer conseguimos conceber nos dias de hoje.
Por isso, o desafio é que saibamos viver esta Páscoa buscando essa Paz e nós acreditamos que essa Paz está em Cristo e a partir de nós próprios. O Cardeal Tolentino Mendonça dizia isso mesmo: “A Paz, tu podes encontrá-la em ti mesmo”. Então, é isso, que a Páscoa reforce o dom da Paz que tens dentro de ti e que se possa exteriorizar para que ela aconteça de facto nos nossos ambientes, seja na família, nas relações de vizinhança, nas relações de trabalho e onde quer que nós estejamos. Que o dom da Paz aconteça.
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