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Sociedade

“Fizemos a diferença em muitos doentes que partiram muito mais em paz”

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“Mais do que tratar, estamos a cuidar de alguém”. Esta simples frase, proferida pela médica internista Lara Maia, resume bem o trabalho da Equipa de Cuidados Paliativos do Hospital e Famalicão, criada em 2017 para dar um acompanhamento especializado e de proximidade a doentes crónicos, grande parte deles com doença grave ou em fase terminal, com o objetivo de aliviar o seu sofrimento, melhorando o seu bem-estar e qualidade de vida.

Lara Maia é a coordenadora desta equipa, composta por mais dois médicos, uma enfermeira, uma psicóloga e uma assistente social, que diariamente prestam cuidados diferenciados a pessoas em situação de grande fragilidade, vulnerabilidade e sofrimento. 

Como se lida com estas situações? De que forma se pode aliviar o sofrimento, não só dos doentes mas também das suas famílias? Que diferença fazem os cuidados paliativos? Acompanhamos o trabalho desta equipa para obter respostas e, desde logo, percebemos que mais do que na doença, esse trabalho foca-se no doente.

“Há ainda muito preconceito relacionado com os cuidados paliativos, que são muitas vezes associados a pessoas que estão a morrer”, refere Lara Maia, esclarecendo que “nem sempre essas doenças crónicas, são limitadoras do prognóstico vital a curto prazo”. Às vezes são doenças que se prolongam, porque não têm cura, “pelo que interessa, a par do tratamento, ir paliando os efeitos que a doença tem no doente, na sua vida e na vida de quem o rodeia”. Independentemente do tempo, porque o tempo, aqui, é relativo. O que realmente importa é otimizar a sua qualidade de vida, seja ela curta ou não.

“Temos doentes seguidos na nossa consulta há muitos anos, incluindo um que está desde a criação da equipa, em 2017, e que está hoje muito melhor do ponto de vista sintomático e funcional”, adianta a coordenadora, sublinhando que “não é só a dor que causa impacto na nossa vida; o grau de autonomia, a forma como nós lidamos com a doença, a forma como a nossa família ou o nosso núcleo se organiza para nos ajudar a viver com a doença são fatores fundamentais”. 

Por vezes, a presença, o saber ouvir são suficientes. “Muitas vezes vou preparada para fazer um SOS de morfina e acaba por não ser preciso, porque começo a conversar sobre o que realmente está a preocupar aquela pessoa”, conta Catarina Alves, enfermeira da equipa, evidenciando que “por detrás de uma dor física, está, muitas vezes, uma dor muito grande de coração, de alma” .

“A angústia de partir e deixar o que cá fica, algumas vezes com situações mal resolvidas” é algo com que a equipa se depara com alguma frequência. “O facto de o doente confiar em quem está deste lado para falar do assunto, acaba por ser mais tranquilizador e mais suave, e depois a medicação nem é necessária”, relata Catarina Alves, num tom suave e sereno que marcou toda a entrevista.  

Desde 2017, a equipa já acompanhou centenas e centenas de doentes, alguns com histórias de vida dramáticas. E há casos que marcam, sobretudo quando são situações que envolvem pessoas mais jovens. Como diz a psicóloga, Sara Barros, “a própria equipa está sempre sujeita a uma tensão emocional muito grande”. E como se lida com isso? “Vai-se aprendendo”, desabafa Catarina Alves, sendo que a interajuda dos vários elementos que compõem a equipa é crucial. “Estamos cá para isso, para conversar, para nos rirmos e também para chorar quando é preciso”.

O apoio às famílias

De resto, o trabalho da Equipa de Cuidados Paliativos, não se resume ao paciente, mas também às suas famílias, porque uma doença grave, muitas vezes terminal e sem tratamento curativo, é algo que emerge catastroficamente dentro da própria família ou de quem acompanha o doente. “O facto de termos este olhar multidisciplinar faz com que consigamos atenuar as coisas que acontecem quando esta situação emerge”, explica Sara Barros.  

E há uma panóplia enorme de coisas que acontecem, como exemplifica a psicóloga: “famílias em conflito há muitos anos e que repensam a vida delas numa altura em que surge esta situação; pais que não falam com os filhos há anos; casais com problemas  na relação conjugal e a situação torna-se muito complicada para gerir porque há a necessidade e cuidar de alguém com quem já não estamos bem há muito tempo”.

“Não somos a solução para tudo e nem sempre conseguimos resolver as situações”, alerta Sara Barros, mas tem a certeza que “fizemos a diferença em muitos doentes que partiram muito mais em paz do que estavam, antes mesmo de ter a própria doença”.

Elga Martins, outra médica da equipa, corrobora e aponta uma situação recente de um paciente relativamente novo, com uma neoplasia em estado avançado, que estava afastado da família e que não tinha grandes possibilidades de ter um cuidador. “Contudo, tinha uma filha com quem não falava há anos, que acabou por se aproximar e assumir o cuidado do pai até ao final. Foi muito gratificante e foi um caso que nos emocionou a todos”. 

Precisamente a figura do cuidador informal é uma das preocupações da assistente social, Sónia Lemos, que diariamente procura que “sejam angariados todos os apoios, bens e equipamentos que permitam um maior conforto e uma maior qualidade a estes doentes no domicílio”, ou encontrar outro tipo de respostas junto de instituições, quando isso não é possível. 

Em 2019, a Assembleia da República aprovou o Estatuto do Cuidador Informal, mas Sara Lemos diz que as situações mais preocupantes com que se depara continuam a ser “a falta de respostas para os cuidadores, que têm um dia a dia muito desgastante, quer da parte emocional, física e mental”. Por isso, conclui: integrar esta equipa leva-nos a ver melhor o que está do outro lado: os sentimentos, as frustrações, as oportunidades, os fracassos, e no serviço social trabalhamos muito o bem-estar de todos: do doente e da família, que é onde se encontram a maioria dos cuidadores”.   

Cada elemento da equipa tem a sua função específica, mas é no conjunto que está a virtude dos cuidados que presta. E foi esta forma integral de cuidar do doente que levou o médico, Filipe Couto, a integrá-la. “Como oncologista, somos treinados para ser muito tecnicistas, muito virados para a biologia do cancro, para os dados estatísticos de sobrevivência, mas o doente não se pode resumir apenas à doença oncológica, é muito mais do que isso”, contou ao OP, acrescentando que os cuidados paliativos veem o doente nas várias dimensões: biológica psicossocial, cultural e até espiritual”. 

Por outro lado, considera que os doentes, as famílias, os cuidadores formais e informais são também uma fonte também de ensino”. “Estamos constantemente a aprender com eles e vamos fazendo esta caminhada em conjunto”.

Alargar os cuidados paliativos à comunidade é o próximo objetivo

Atualmente a Equipa de Cuidados Paliativos cobre a Unidade Local de Saúde (ULS) do Médio Ave, que integra os hospitais de Famalicão e Santo Tirso e ainda as unidades de cuidados de saúde primários. Faz o acompanhamento a todos os doentes internados com necessidade destes cuidados e dos doentes que são seguidos em consulta externa. Além disso, presta também  apoio telefónico aos doentes que estão no domicílio.

Desde o início deste ano, só no internamento, já foram acompanhados cerca de 270 doentes e na consulta externa são muitos mais. Além disso, as solicitações não param, sobretudo por parte dos médicos de família, com o alargamento da ULS às unidades de cuidados de saúde primários, e a equipa é reduzida. 

“Acho que ainda há muitos doentes que não têm acesso aos nossos cuidados e gostaríamos de ter maior capacidade de abrangência, mesmo em termos de resposta, porque somos pouquinhos para as necessidades que sabemos que existem”. confessa a médica Elga Martins.

Outro dos grandes objetivos da equipa é alargar a sua ação à comunidade, algo que a coordenadora acredita estar para breve. “É algo em que estamos a trabalhar ativamente porque, de facto, é preciso complementar estes cuidados dentro do hospital com os cuidados em casa, refere Lara Maia, especificando que “enquanto há uma fase em que o doente está autónomo e pode vir à consulta, há outra fase em que, infelizmente, a doença traz necessidades acrescidas e é do todo o interesse do doentes e das famílias que esses cuidados sejam prestados no conforto na sua casa”.

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