Economia
Presidente da ATP: “Apesar de dificuldades, acreditamos que o têxtil continua a liderar na inovação e sustentabilidade”
O ano de 2022 foi de grande pressão para o setor têxtil e em 2023 espera-se que a resiliência do setor continue a ser testada. Em entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA, o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal sublinha as fortes dificuldades que a crise energética “sem precedentes” trouxe ao setor. Mário Jorge Machado sublinha ainda que, embora as dificuldades, os tempos vindouros são de aprendizagem e adaptação.
OPINIÃO PÚBLICA: Segundo os últimos dados, a Indústria Têxtil e do Vestuário fechou 2022 com um volume de exportações recorde próximo dos 6.000 milhões de euros, bem acima do máximo alcançado no ano passado. Mesmo assim, os empresários do setor estão apreensivos, já que as novas encomendas estão a travar desde o verão, com os clientes receosos de uma recessão…
Mário Jorge Machado: De facto, segundo as estimativas da ATP, 2022 fechou com valores das exportações de têxteis e vestuário a superar os 6 mil milhões de euros. No entanto, os últimos meses do ano registaram uma quebra acentuada na produção e nas exportações do setor, em resultado da contração da procura nos principais mercados de destino, para a qual contribui um elevado nível de incerteza, mas sobretudo um menor poder de compra das famílias em resultado da subida generalizada dos preços de bens e serviços e taxas de juro.
O ano passado, em janeiro de 2022, referia, em entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA que a indústria têxtil e vestuário portuguesa é conhecida e reconhecida pela sua resiliência, flexibilidade e capacidade de adaptação a novas circunstâncias.
Crê que, nos próximos tempos, seja necessário apelar a esta resiliência?
Infelizmente desde o início de 2020 que temos vivido uma situação muito volátil nos mercados, com várias disrupções e elevada incerteza, impondo múltiplos e complexos desafios ao setor têxtil e vestuário, obrigando as empresas, empresários e colaboradores a dar o seu melhor e testando ao máximo a sua resiliência.
Os próximos meses de 2023 serão uma continuação do que vivemos nos últimos meses de 2022, pelo que, realmente, a resiliência do setor continuará a ser testada.
Que balanço é que é possível fazer do desempenho da Indústria Têxtil e Vestuário no ano de 2022?
Embora possamos ter acabado o ano com alguns máximos – podemos celebrar o valor máximo de exportações e volume de negócios -, o ano de 2022 foi um ano bastante difícil para a globalidade do setor que esteve a debater-se com uma crise energética sem precedentes e pode ter sido o ano em que, pelo alguns, terão também registado o máximo em resultados negativos operacionais.
Embora os preços à saída da fábrica tivessem subido, foi de todo impossível passar para o cliente o custo real. Sofremos um aumento desmesurado dos preços da energia, em particular do gás natural que, nalguns meses, passou a custar 5 vezes mais. Naturalmente que nem todas as empresas terão vivido com a mesma intensidade este problema, mas num setor tão interdependente, ter elos da cadeia que estão em tal agonia que poderão não sobreviver, não é obviamente saudável para o setor.
Foi mais um ano de luta e naturalmente “quem não morre torna-se mais forte”. Há toda uma aprendizagem que vamos (ou devemos) retirar deste ano, quanto aos nossos modelos de gestão do negócio, para minimizar riscos e aumentar margens de lucro e para tornar as organizações mais flexíveis, mais resilientes e mais sustentáveis.
Antes da pandemia dizia numa entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA que Portugal estava na linha da frente do desenvolvimento e da inovação têxtil. A pandemia fez esta realidade retroceder?
Já falei aqui de alguns dos desafios que tivemos (e continuamos a ter) de enfrentar: disrupções das cadeias de valor, dificuldades na oferta de recursos necessários à produção, contração da procura, crise energética, instabilidade nos mercados e necessidade de respostas mais flexíveis e mais rápidas, transição climática, transição digital, forem e são apenas alguns…
Para enfrentar e ultrapassar estes desafios, as empresas são obrigadas continuamente a investir em novos processos, novas tecnologias, novos materiais, novas competências, novos produtos. Tenham elas os recursos humanos e financeiros necessários para os enfrentar…
E apesar de dificuldades sentidas ao nível dos recursos, acreditamos que o setor continua a liderar no que respeita à inovação, mas também no que respeita à sustentabilidade.
Recentemente, numa reunião com o novo secretário de Estado da Economia, Pedro Cilínio, pediu uma maior celeridade na disponibilização dos apoios à internacionalização previstos pelo Portugal 2030.
São urgentes estes apoios…
Sim, de facto, no contexto de contração em que vivemos, as empresas precisam, mais do que nunca, diversificar os seus clientes e os mercados onde atuam, sendo fundamental apostar fortemente na promoção externa, quer em termos individuais quer em termos coletivos. Os apoios à internacionalização são uma ferramenta importante, mais ainda quando vivemos períodos de instabilidade e contração e quando estamos a viver paralelamente outras necessidades de investimento (em resposta à transição climática e digital), e ainda não recuperados de uma enorme pressão na tesouraria das empresas, face aos efeitos de uma crise pandémica, seguida de uma crise energética.
Os apoios do Portugal 2030 são de facto fundamentais, devem estar ao serviço da economia, das empresas e das suas necessidades, e devem ser o mais céleres, flexíveis e eficazes possíveis.
Quais são os principais mercados internacionais a que chegam os nossos têxteis?
Os grandes mercados da União Europeia (como por exemplo, Espanha, França, Alemanha e Itália), mas também mercados como os EUA, Reino Unido e Canadá.
Há falta de mão de obra qualificada na Indústria Têxtil e Vestuário?
Neste momento, de maior contração e instabilidade fala-se menos deste problema, mas de facto continua a ser uma situação sensível.
Temos uma pressão demográfica, temos uma pressão do lado das qualificações, temos a pressão da produtividade e temos uma pressão do lado da imagem que não ajuda e não ajudará o setor a ultrapassar o desafio.
A idade média da mão de obra no setor é elevada, muitas pessoas estão perto da idade da reforma, pelo que estamos já a perder pessoas e nos próximos tempos iremos perder mais mão de obra por essa razão.
Temos vários desafios pela frente e é necessário qualificações acrescidas e competências complementares para que todos consigam dar resposta aos mesmos. É necessário capacitar os recursos humanos que estão no setor e atrair outras competências e qualificações. A formação de base e a formação ao longo da vida são cada vez mais essenciais.
Por outro lado, os custos (e os custos com pessoal) têm vindo a aumentar significativamente e a produtividade nem sempre acompanha esse aumento, o que causa pressão adicional quando discutimos aumentos salariais. Por outro lado, competimos à escala global com países que tem uma estrutura de custos muito inferior, e apesar de Portugal ter vindo a fazer um trajeto notável em termos de desenvolvimento e atração do setor à escala internacional, os outros países também não estão a dormir. E muitos dos negócios, apesar de haver cada vez mais exigências em termos de inovação, responsabilidade social, sustentabilidade, etc, acabam sempre por serem decididos pelo preço.
Esta dificuldade de encontrar trabalhadores – qualificados ou não – não é exclusiva do nosso setor, mas é verdade que recai sobre a indústria uma imagem pesada que gera uma certa repulsa junto dos jovens, que acabam por preferir os serviços, o comércio ou o turismo (embora todos eles estejam neste momento também com dificuldades em contratar). É necessário desmitificar as profissões da indústria, mostrar o que de melhor elas têm, as vantagens de trabalhar num setor que está em permanente desenvolvimento, virado para o mundo, que todos os dias se renova e se aperfeiçoa.
Famalicão assumiu-se como Cidade Capital do Têxtil. Na sua perspetiva isto trouxe benefícios para as empresas do concelho?
As empresas do setor localizadas em Famalicão contam com um Município ativo, que tem como prioridade dignificar o sector têxtil e vestuário, apostar no seu desenvolvimento, na sua inovação e na sua promoção, levando a cabo iniciativas diversas para implementar estes objetivos. Naturalmente que esta política tem claras vantagens para estas empresas que reconhecem o valor e o esforço do Município.
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